segunda-feira, 19 de junho de 2023

UMA ÁRVORE - POVO - É PRECISO OUVIR AS ÁRVORES

 

   Aguarela de Carlos Canhão

No Jardim do Miradouro  há uma árvore quase pedra. Quase escultura.

Dizem os velhos que outrora, o Tejo chegava ali e ainda se encontravam fósseis a comprová-lo.

A madrugada cresce nas raizes desta árvore onde o tempo adormeceu e se consome no silêncio da História.


"É preciso ouvir as árvores" -  diz o poeta.

Ouçamo-la pois:

" Fui uma semente pequenina no ventre da Terra mãe."

Cresci para a luz e sempre para o alto.

Bebi o azul das manhãs, o perfume a viagens que nos vem do rio e fiquei assim árvore - verde árvore - forte, árvore - pedra.


 Tenho os braços cheios de aves, de borboletas, das palavras ternas dos namorados que à minha sombra se sentam  e do riso das crianças que por mim sobem para descobrir onde acaba o Tejo e nasce o céu.

Na minha seiva corre a  memória dos velhos Almadenses, a luta dos operários, um cheiro bom a cravos de Abril.

Fica só um bocadinho junto de mim para sentires  os aromas da maré alta, ouvires o silêncio e o apito rouco dos navios quando se despedem do Tejo e entram, lá onde o sol se põe, nas águas largas do Oceano donde, dizem, os portugueses viajaram para tornar o mundo mais pequeno e os homens mais irmãos.

Árvore - ninho.

Hoje, aqui, neste jardim, a mais antiga das árvores, a de raízes mais fundas.

Uma árvore que resiste.

Uma árvore - Povo

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Fonte: in-livro uma gaivota no vento

 Aguarelas de Carlos Canhão

Textos:  Maria Rosa Colaço

Editado pela Junta de Freguesia de Almada em 2001


Nota: Uma árvore que já não existe, no seu local foi plantada uma outra árvore