sábado, 27 de março de 2021

JOSÉ FREITAS " GOLFINHO" DE GIBRALTAR ( MEMÓRIAS) - A REVOLTA DOS MARINHEIROS, EM 1936

Hermínio Martins, avô materno dos meus filhos Carlos e Anabela/ foi um dos 34 que foi enviado para o Tarrafal

A revolta dos marinheiros, em 1936, que se manifestou  nos navios Bartolomeu Dias e Afonso de Albuquerque, também teve a ver comigo e com os meus filhos, Carlos e Anabela.

O objetivo dos revoltosos era passar a barra do Tejo e, uma vez ao largo, exigir ao governo de Salazar que fossem reintegrados dezoito camaradas que tinham sido punidos após expedição do Afonso de Albuquerque a Espanha, pouco depois de ali ter eclodido a Guerra Civil. O  Afonso Albuquerque foi seriamente atingido pelas peças de artilharia do Alto Duque e do Forte de Almada, que provocaram oito mortos.

 Na altura, foi desencadeada uma limpeza contra elementos considerados de pouca confiança, na Marinha.

Foram presos e julgados 208 marinheiros,82 condenados,44 enviados para a Fortaleza - Prisão de Angra do Heroísmo, 4 ficaram no Forte de Peniche e 34 foram para o campo de concentração do Tarrafal, na ilha de S. Tiago, em Cabo Verde. Nestas pesadas penas, encontrava-se entre eles o avô dos meus filhos, Carlos e Anabela, Hermínio Martins que não tinha nada de politico, mas que se tornou um revoltado pelas trucidardes a que foi sujeito na "Frigideira", o chamado castigo da morte lenta, imposta pelo fascista Manuel dos Reis, um dos diretores do Campo.

Este "carrasco" disse, uma vez àqueles que lutavam pelas injustiças praticadas no Campo:« Quem vem para o Tarrafal vem para morrer», e lá morreram 32 antifascistas, Cândido de Oliveira contou nas suas memórias que o meu ex-sogro Hermínio Martins  foi o mais castigado na tortura da morte.

Com a sua saúde muito abalada devido às torturas ,foi considerado um doente de alto risco, tendo sido enviado para Lisboa, em 1951,a bordo do navio "Guiné". Assisti ao desembarque no cais de Alcântara, assim como outros seus camaradas. Não nos foi autorizado chegar junto do portaló, entrou no carro celular sem que as famílias pudessem falar com eles ou abraçá-los. Seguiu para a cadeia da penitenciária de Lisboa, cumprindo junto com os presos comuns algum tempo de prisão.


Foi quando me vali da amizade que tinha com o Dr. José Maria Antunes, um excelente médico de doenças pulmonares, que na altura desempenhava o cargo de Presidente da Federação Portuguesa de Natação, era responsável pela preparação do Batista Pereira, desportista da velha guarda(ex-jogador de Futebol da Associação Académica de Coimbra, e selecionador da Seleção Nacional de Futebol). Era diretor da Assistência Nacional de Tuberculose no edifício da 24 de Julho, junto ao mercado abastecedor da Ribeira Nova. Exercia também o cargo de diretor do Sanatório do Barro, em Torres Vedras, conseguiu transferi-lo para o Hospital da Marinha e depois para o Sanatório do Barro.


O pior foi arranjar a penicilina, que na altura, era o medicamento que mais contribuía para melhorar as doenças infecciosas.

Neste momento, tão grave, contactei uma série de camaradas e amigos ex-presos políticos. A palavra solidariedade era constante. Não me esqueço de uma senhora residente no Porto cujo filho tinha sido preso por andar a distribuir manifestos aos estudantes na cidade, tendo sido levado para o Tarrafal. Esta senhora com uma grande cotação na cidade do Porto era a única pessoa que tinha ordem do então Ministro da Defesa, Santos e Costa, para visitar o filho. Era portadora de mensagens dadas pelos familiares que se encontravam presos. Quando chegava ao continente, percorria o país de lés a lés com o objetivo de auxiliar as famílias mais necessitadas.

No "Campo da Morte Lenta". Esta foto foi tirada no Tarrafal. Anima-a vitalidade de quem sempre esteve do lado certo da vida, lutando com intrepidez contra o regime sanguinário, enfrentando de rosto erguido os seus mecanismos de terror. Hermínio Martins, avô materno dos meus filhos Carlos e Anabela, o primeiro da segunda fila (de boina).

Voltando ao apoio aos presos doentes. As receitas e os medicamentos necessários foram entregues por pessoas que conheci nos laboratórios, nos cafés de Baixa - Restauração, Gelo, Chave D'Ouro, Nicola - eu ia lá buscá-las, como tinha apenas 19 anos ninguém desconfiava de mim. Acontecia que 24 horas depois da entrega das receitas, voltava ao mesmo local e lá estava a encomenda que me era entregue, depois percorria a Avenida da Liberdade, até ao Marquês do Pombal, dirigia-me ao Consultório do Dr. José Maria Antunes e fazia-lhe a entrega de tão preciosos medicamentos. Ele, Doutor, tantas vezes me perguntou como era possível, que num tão curto espaço de tempo, conseguir encontrar medicamentos que, na altura, eram bastante difíceis de obter.

Andei muitos meses nestas tarefas, não só a favor do Hermínio mas de outros camaradas, que estavam internados no sanatório.


Infelizmente, esta luta veio mais tarde, já como país em liberdade, a ter o seu fim .No sanatório, Hermínio "o marinheiro" faleceu pode dizer-se sem festejar a Liberdade, o seu corpo foi sepultado no cemitério de Torres Vedras.

Recordo aqui as ações interventivas que o doutor José Maria Antunes teve na minha carreira como nadador, muitos foram os seus conselhos assim como o seu apoio médico. De realçar também a assistência que deu s alguns dos meus nadadores piedenses, com assistências gratuitas assim como os medicamentos quando ele nos dava. Muitas foram as vezes que deu assistência ao meu filho Carlos, quando ele era ainda adolescente. Bem-haja o Doutor por tudo quanto fez pela natação portuguesa.


* Extraído do Livro- José Freitas "Golfinho de Gibraltar(Memórias)

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