quinta-feira, 14 de maio de 2015

"ALFORGE DE HERANÇAS" UM LIVRO DE FERNANDO FITAS - PRÉMIO DE POESIA E FICÇÃO DE ALMADA 2014

"Há homens que semeiam rios,como se erguessem casas,para habitar eternamente o coração da terra e de quem os conheceu"
A mesa que procedeu á apresentação do livro,da esquerda para a direita; Joaquim Saial, António Jeromito, Fernando Fitas, José Gonçalves e Paulo Sucena

No passado dia 14 de março, do corrente ano,decorreu no Fórum Municipal Romeu Correia,na  Sala Plabo Neruda,a apresenta ação do livro"Alforge de Heranças" do jornalista Fernando Fitas,obra editada pela Associação Cultural Manuel da Fonseca,ilustrada por António Jeromito  e prefaciada por José do Carmo Francisco,tem como pano de fundo as expectativas e sonhos de uma geração,que acreditou ser possível erguer um futuro que supúnhamos roçar a bainha dos dedos,à espera que o agarrássemos, masque traiçoeiramente deixámos que fosse afastando do nosso horizonte,por inaptidão ou ingenuidade.

Organizado em duas partes,o livro evoca na primeira parte a "construção da Casa" como metáfora da construção de um país(um pouco à imagem do imaginário traçado por Virgílio em Eneida),dos sobressaltos e na fragilidade deste quotidiano com desafios e esperanças.
Na segunda parte, remete-nos para a imagética de um tempo em que os silêncios e os gestos fraternos se trasnformaram em gritos da revolta dos sonhos sufocados,ou se quisermos, um repositório de afectos,memórias,emoções,nostalgias e raivas,assentes na analogia pai -país,país -pai.

Nesta cerimónia para alem do autor do livro,estiveram presentes o vice-presidente da Câmara Municipal de Almada,José Gonçalves. a apresentação da obra esteve a cargo de Paulo Sucena, a leitura de poemas foi feita por José Vaz enquanto a parte musical foi do Coro Polifónico do Clube do Sargento da Armada.

O autor do livro,na sua intervenção começou por felicitar: 
A Câmara Municipal de Almada pela manutenção dos diversos prémios literários que há mais de 20 anos instituiu, visando incentivar os que usam a escrita como forma de expressão, teimando deste modo em continuar a apostar na cultura, apoiando e incentivando todos aqueles que se dedicam ao exercício da escrita e ao acto criativo.
Cabe-me ainda agradecer a disponibilidade evidenciada pela autarquia para patrocinar esta obra e para a realização da sessão que hoje aqui nos reúne.
Uma palavra de apreço, também, para a Associação Cultural Manuel da Fonseca, entidade que alguns meses antes de ser conhecida a deliberação unânime do júri de atribuir a este meu trabalho, o Prémio de Poesia e Ficção de Almada 2014, manifestou a disposição de publicar a obra"


Depois expressou um agradecimento e reconhecimento:
"Gostaria igualmente de expressar o meu reconhecimento pela imediata disponibilidade revelada pelo Coro Polifónico do Clube do Sargento da Armada para emprestar, com a sua colaboração, outro brilho a este nosso encontro. Aliás, o esmero com que seu maestro, Euclides Pio, encarou a participação neste evento, levou-o ao ponto de preparar um repertório especialmente para esta ocasião. Os meus agradecimentos, pois.
Quanto a Paulo Sucena, amigo de longa data, direi que tendo conhecido o original, cerca de um ano antes do mesmo ter sido enviado para a edição do Prémio, desde logo, manifestou vontade de proceder à apresentação do texto, se acaso ele viesse um dia a ser editado. O que ora acontece".

No que se refere à participação de José Vaz, Fernando Fitas, disse; 

"Trata-se de um companheiro que me tem dado o privilégio da sua colaboração em diversas ocasiões, nomeadamente na apresentação dos meus anteriores livros de poesia.
No concernente a intervenção de António Jeromito, expressa nas ilustrações que talentosamente concebeu para esta obra, direi tão só que, a par sermos amigos de infância, dado termos nascido na mesma terra, bebemos das mesmas fontes. E mais do que isso: comungamos de muitas memórias que o tempo não esbateu e que nos juntaram em 1986, no meu livro Amor Maltês e agora nos voltaram a reunir".


Sobre a sua obra "Alforge de Heranças",o autor enumerou algumas das facetas:

"Esta é, também, a segunda vez que concorro a tão prestigiado certame literário e, por feliz coincidência, a segunda que vi os meus originais premiados.
A primeira, ocorreu há dez anos, com o texto “ O Ressoar das Águas” e agora com “Alforge de Heranças”, obras que têm como pano de fundo, as expectativas e sonhos de uma geração, que acreditou ser possível erguer um futuro que supúnhamos roçar a bainha dos dedos, à espera que o agarrássemos, mas que traiçoeiramente deixámos que se fosse afastando do nosso horizonte, por inaptidão ou ingenuidade.

Foi um período de dez anos, no decurso do qual pouco escrevi em matéria de poesia, porque o exercício da actividade jornalística não me deixava tempo nem disponibilidade mental para me dedicar, enquanto artesão de palavras, a este laborioso ofício de domar emoções ou sossegar nostalgias.
Tenho para mim, que há homens que semeiam rios, como se erguessem casas, para habitar
eternamente o coração da terra e de quem os conheceu. São, por isso, também, eles, parte do edifício que suas mãos ergueram, ou se preferirmos, elemento indispensável à argamassa de que são feitas as viagens que os homens se concedem.
É, aliás, com o intuito de lhes prestar tributo, ante o modo como me ensinaram a olhar a vida, que procuro modestamente, através da escrita, dar testemunho de mim, ou seja, falar de um tempo que me pertence e que retenho ainda, como se fora a derradeira herança que de si resguardo, feita de vento, terra, aves e sol.

"Há coisas que são eternas,sobretudo,para quem as viveu" 

Por esse motivo, este é, porventura, o livro mais telúrico de quantos até hoje escrevi, constituindo, a meu ver, um repositório de afectos, memórias, emoções, raivas e nostalgias, que fui amealhando ao longo da minha existência, assentes na analogia pai-país, país-pai, e da simplicidade com que o meu progenitor, sempre cuidou da terra, das árvores e dos animais.
Há coisas que são eternas, sobretudo, para quem as viveu. A falta daqueles de quem mais gostamos, mas que a inexorabilidade da vida impediu que continuassem fisicamente a nosso lado, e a ausência dos amigos que partiram em busca dos rios que intentam o regresso à nascente de onde brotaram, ou, noutros casos, encontraram na emigração a única alternativa possível à indigna proposta que os governantes hoje lhes oferecem, são coisas que nenhuma borracha, apaga da nossa memória.

Este livro é tudo isso.
Pelo menos, foi essa a intenção que esteve na génese da sua elaboração, em ordem a que pudesse ser um subversivo veículo de denuncia, logo, um instrumento de transgressão ao modelo social que se funda no aparecimento de novos ricos, suportado na fabricação de milhões de pobres.
Talvez, por isso, como escreveu um dia António Ramos Rosa: “as palavras mais simples têm frio”. Não o frio característico de uma das quatro estações do ano, mas um frio mais agreste, que se instala por dentro de nós e nos congela os movimentos, tornando-nos inábeis ante a vilania da sociedade que nos cerca, e que nos trata como escravos de um reino que reduz o salário; nega o emprego aos jovens; nos cobre de impostos e de chagas e nos renega o pão, logo que em seu entender, deixamos de ser úteis aos desígnios de quem detém o poder, ou simplesmente, deixamos de dar lucro.
Neste contexto, confesso-me, habitante de um rio/casa, banhando um campo maior, ou seja, uma planície que soube preservar os anseios, esperanças e alegrias, de quantos vislumbraram no raiar desse dia já distante, a luz de um sol inteiro e verdadeiro, ocupando as mãos, lavrando os campos, saciando as aves e dando de comer aos animais".

Mas apesar das cicatrizes que carrego,permaneço na trincheira que escolhi

"Contudo, volvidas quatro décadas, confesso que no modesto alforge que transporto, resta-me apenas um pequeno álbum de memórias; um rio de antigas sedes que não cessam; uma bandeira trémula e delida e um punhado de raivas e de cardos. Nada mais.
Pouca fortuna tenho, dirão alguns. Mas apesar das cicatrizes que carrego, permaneço na trincheira que escolhi, alimentado por esse rio que corre sob a casa e cujas águas me incitam a intentar rasgar, com a caneta, sulcos de fraternidade, de amizade e esperança, mau grado o cinzentismo das montanhas que nos cercam.
Tudo isto, porque sendo o acto de escrita, um exercício eminentemente solitário, para mim, é, também, um gesto intrinsecamente solidário".

A finalizar agradeceu a todos pela  presença e de terem permitido partilhar com todos,este repositório de afectos e memórias..



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